A noite já estava alta quando ela chegou trajada com o seu melhor vestido preto. Os presentes não tardaram a perceber a sua chegada. Todos, automaticamente, cessaram o que faziam para observar o seu altivo caminhar.
Ela não estava receosa, em contrário, caminhava decida pelo ambiente lotado, rememorando, sem deixar transparecer, o tempo já passado. Decerto seria referência ao que viria.
Aproxima-se do centro do salão, o chão lustroso refletia a sua sinuosa figura, os cabelos anteriormente presos se soltaram parcialmente caindo em mechas pelas laterais de sua face alva. Ela sacode delicadamente a cabeça fazendo com que os fios revoltosos se alinhassem delicadamente, emoldurando o seu sóbrio rosto.
Na boca o batom vermelho contrastava com a pele clara, refletindo nos seios da face um rosado quase infantil. Os olhos profundos marcados pela sobra e pelo delineador faziam com que suas pupilas saltassem brilhantes. Não sorria, mas parecia que sim.
Os olhares amedrontavam-se naqueles que resolviam encará-la. Ela exalava poder, e isto não era novidade.
Ela adentra mais um pouco o espaço enquanto os presentes saiam de lado, abrindo caminho e criando um corredor para que ela percorresse tal qual Moisés havia feito de fronte ao Mar Vermelho. Seus olhos estavam fixos, ela sabia bem qual era o seu destino, assim seguia determinada.
O homem que a aguardava trajava uma camisa branca bem passada sob um colete cinza-escuro com alinhadas riscas de tom azulado. Ela o observa interessada e pronúncia um singelo cumprimento.
- Olá, boa noite! Diz ela quase que em sussurro.
O homem a encara e responde educadamente à saudação como sempre fazia.
Ela estica o papel que trazia entre os dedos da mão direita e o deposita por sobre a superfície de madeira maciça e lustrada que os separavam.
O homem olha rapidamente para o pedaço de cartolina e volta o seu olhar para a mulher que o interpelava. Ela desliza o dedo indicador pela folha que estava disposta por sobre a superfície e sinaliza, sem verbalizar.
O homem faz uma pequena marcação no cartão e o desliza novamente ao encontro da mão dela. Vira-se e sai de cena por alguns instantes. Ela olha ao redor e volta a fitar os presentes que gradativamente retornavam a fazer o que faziam antes de sua súbita chegada.
Um sorriso até então contido escapa de seus lábios no momento em que volta a girar o corpo e encarar o homem que já havia retornado.
- Blood Mary senhora. Diz ele sem hesitação.
Ela acena com a cabeça enquanto segura a taça com o líquido vermelho. Entorna delicadamente um pouco da bebida, deixando que uma rebelde gota escorra pela lateral esquerda de seus lábios. Ela captura o líquido com o dedo indicador esquerdo e o insere entre os lábios para completar a limpeza improvisada.
Enfim livre! Pensa ela antes de voltar para a pista onde a banda tocava providencialmente "I Want To Break Free".
Coincidência ou um sinal carinhoso do universo? Questiona-se em pensamento. Ambos, conclui rapidamente, afinal havia ela ido diretamente do sepultamento de seu agora falecido marido para uma noite que inauguraria uma vida em plena alegria.
“God knows, God knows I want to break free” ... Cantava ela enquanto soltava o restante do cabelo.
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