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Foto do escritorAnderson Luis da SIlva

Influenciadora Digital!

Atualizado: 14 de ago.

Julia havia nascido em uma época em que o ser estava constantemente atrelado ao permanente estar, inimaginável seria a vida longe da internet, o que ela aprendeu ainda muito jovem. Seus pais a incentivaram desde criança a pousar os dedinhos sobre a tela iluminada e arrastar, diziam orgulhosos que a sua garotinha estava acima da média, ela, alheia aos elogios, deixava-se hipnotizar pelo brilho inebriante que emanava dos dispositivos informáticos.

Há muito possuía contas nas mais populares redes sociais digitais, dedicava-se assim, a construção perene de sua popularidade por meio das postagens irrelevantes, mas necessárias, que sua audiência adorava ver e repercutir.

Discorria sobre tudo, manifestar a sua opinião era a prerrogativa necessária a sua notoriedade, deste modo não se importava com a profundidade temática, irrelevante àqueles meios, mas a síntese conceitual mesmo sem ter a mínima ideia do conceito. Pois ela sabia que os outros, tal qual a ela mesmo, não se permitiam em perder tempo com leituras mais aprofundadas, atendo-se, somente, as contundentes manchetes.

Com o passar do tempo ela gradativamente substituíra o texto pouco por animações e vídeos, sua desenvoltura frente à câmera permitia assim um contato mais imediato com seus espectadores, os quais, retribuíam a sua genialidade autodeclarada com curtidas e comentários, estes últimos em geral, feitos por meios de figurinhas animadas que traziam ludicidade as suas também parcas opiniões.

Julia dedicava-se a construção de um mundo futuro, onde a burocratização do pensamento deixaria de existir. Ela não entendia o porquê do conhecimento tradicional, se o que de fato importava era a comunicação estabelecida sem enfadonhas explicações.

Certo dia quando questionada por um estranho de nome bizarro e aparência esquisita se o que fazia não contribuiria para a alienação da população global, ela respondeu à provocação com uma série de postagens onde dançava sobre livros abertos enquanto dizia que ninguém mais lia e que isso já era o novo normal.

Sua manifestação gerou uma corrente de discussão quanto a irrelevância da leitura. Para que perder dias em uma só história se podemos vivenciar a várias delas em cada período conectado ao TikTok?

O indivíduo de aparência esquisita considerou certa verdade na manifestação de Julia, ele mesmo passava por isso periodicamente. Aquilo que compartilhava em suas redes viralizava apenas se fosse supérfluo ou de fácil assimilação, quando requeria o esforço da leitura e da reflexão, esbarrava no descaso de quem via ou, e não raro, na incapacidade de intelecção daquilo que ele escrevia.

Estaríamos vivendo em um mundo onde o conhecimento fora substituído pela vulgaridade manifesta nas falas rasas? Pergunta-se espantado. O sujeito de nome bizarro acreditava que sim, mas lutava para que tal destino não se perpetuasse, que caísse no esquecimento tal qual as inúmeras postagens que após o clique desatento tendiam a sucumbir.

O debate entre ele e Julia avançou por alguns poucos dias. Ele defendia a sua tese compartilhando com ela alguns livros e artigos, os quais foram completamente ignorados por sua interlocutora. Deste modo arriscou o aprofundamento temático com o compartilhamento de vídeos documentais e entrevistas, longos demais, dizia ela entediada. Enveredou pelo recorte, assim mandava pequenos fragmentos textuais que ele considerava necessários a ilustração de suas ideias. Interessantes, mas cansativos, postulava ela em definitivo.

O questionamento posto pelo chato seguidor não havia feito diferença, ela sabia que sua presença nas redes era estado de glamour e não de horror, afinal ela não era a única, fazia parte de uma legião de pessoas diferenciadas de nascença e assim cumpria o seu legado predestinado, de ser influenciadora e não influenciável.

Julia navegava na certeza de fazer o certo, se via como artista, e assim o era frente as variadas manifestações de endosso a sua produção. Escrever era apenas um arcaísmo desnecessário em tempos em que o autocompletar, o autocorrigir, a supressão gramatical e os memes, faziam a vez do informar.

Esse dia fez com que o número de seguidores de sua página pessoal crescesse, não havia respaldo maior a sua verdade que o reconhecimento público manifestado pelos seus entusiasmados admiradores.

Seus pais estavam certos. Ela era uma garota acima da média, por isso influenciava. Já o rapaz de nome esquisito apenas um aborrecido desconectado, sem seguidores e desprovido dos necessários likes.

Assim ambos seguiram suas opostas vivências. Enquanto ela gravava mais uma coreografia engraçada para a multidão online, ele refletia sobre a solitude da vida cujo outro só existe em bytes.

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