Lá estava ela a brilhar no alpendre em uma noite sem luar. A lâmpada iluminava ao longe com sua luz bruxuleante permitindo o olhar da brisa que carregava flutuante inúmeros bichinhos alados que brincavam ao vento tal qual os peixinhos fazem nas ondas do mar.
Uma mariposa se aproxima da luz sem cautela e circunda a lâmpada que jaz dependurada defronte a janela fechada.
- Oi! Arrisca ela ainda cegada pelo brilho incandescente que da lâmpada emanava.
- Oi! Responde de volta em tom caloroso a notável brilhante.
- Sente-se aqui. Diz a lâmpada ansiosa por um papo.
A mariposa hesita.
- Deve estar quente! Questiona prevenida.
- É de minha natureza aquecer e iluminar. E a sua natureza qual é? Pergunta a lâmpada curiosa.
A mariposa circundava sua nova e brilhante amiga em um energético bater de asas enquanto respondia sem nem muito pensar.
- Minha natureza é cortejar.
- Fale-me mais sobre isso. Insiste a lâmpada interessada.
- Bom, como pode notar, sou uma mariposa. Não sou necessariamente um ser cuja beleza encante. Meu corpo é robusto e recoberto por pelos, minha pele é cinzenta, minhas antenas um tanto quanto exóticas e o meu voo um pouco descontrolado.
- É uma imagem um tanto pessimista sobre si mesma. Indaga a lâmpada atenciosa.
A mariposa continua, um pouco mais entusiasmada.
- Possuo estes olhos grandes e negros, e isso de alguma forma me traz certas vantagens, pois consigo enxergar, mesmo no escuro, aquilo que outros olhos menos preparados não conseguem ver.
A lâmpada brilha em aprovação.
- Mas o que eles podem ver sou eu, um rascunho da natureza, por isso me ponho a noite. Percorro a escuridão na busca do brilho que a mim falta. E foi isso que me trouxe até você.
Pontua decisiva a mariposa enquanto ziguezagueava pela varanda iluminada.
- Hum! Interessante. Diz a lâmpada pensativa.
- Tenho de concordar com você. Até que possui um charme manifesto naquilo que não mostra, mas confesso, prefiro mesmo as borboletas.
A mariposa não se surpreende.
- Quem não? Diz ela de modo jocoso.
- Mas saiba você que as borboletas só gostam de flores.
A lâmpada pisca, mas logo volta a brilhar com ainda mais intensidade.
- Mas eu também sei ser flor. Diz a lâmpada resoluta.
A mariposa, velha sabia da noite, aquela que acreditava já ter visto de tudo em sua vida, se surpreendeu com a inesperada afirmação.
- E como faz isso? Pergunta a mariposa curiosa.
- Volte pela manhã e você verá. Diz a lâmpada envaidecida.
No dia seguinte a mariposa retorna a varanda onde havia encontrado a lâmpada acessa na noite anterior. A luz do sol ofuscava a sua visão, assim teve que se aproximar para poder contemplar a transformação da lâmpada em flor.
Em um voo rápido pela sombra do telhado, a mariposa avistou ao longe a lâmpada apagada. Surpreendida, observou que ela de fato era também flor. Lá estava ela rosqueada no centro de uma arandela em formato de pétalas de girassol.
A mariposa manteve a distância e não se aproximou, pois, pousada junto a lâmpada estava uma grande e exuberante borboleta. A borboleta movimentava lentamente as suas assas enquanto roçava as suas patas pela superfície fria da lâmpada apagada.
Já a mariposa em um rodopio desajeitado retornou voando para a mata de onde havia saído. Pensava baixinho, lâmpada danada, virou mesmo flor. Será que ela sabe que as borboletas vivem somente algumas poucas semanas? O que isso importa? Indaga a si mesma impaciente.
O importante é que brilhe todas as noites, para que assim eu possa de longe deslumbrar-me com sua luz, e que no dia já amanhecido, sendo ela flor, permita que por ela borboletas se encantem, mesmo que para isso tenha que permanecer apagada.
Recreio dos Bandeirantes–RJ - Março de 2022
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