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Foto do escritorAnderson Luis da SIlva

O Livro!

Atualizado: 21 de mar.



O livro descansava inerte sobre a mesa de centro. Seu título pouco informava aos olhos interessados que se atrevessem a lê-lo - Nu! Curiosamente não havia na capa o nome do autor, apenas a silhueta de um corpo sobre um fundo amarelo-ouro.

O homem que se sentara a pouco de fronte a ele o cutucou, primeiro com o olhar, e depois com o dedo indicador direito que passeou por sobre a sua capa acarinhando o enigmático volume. Havia ali uma relação estabelecida entre o objeto inerte e o homem curioso. Ambos sabiam que a distância entre eles não haveria de durar. Estavam sedentos um pelo outro. O homem curioso esticou o seu braço e levou a sua mão lentamente rumo a borda amarelada daquele livro, no entanto, antes que pudesse alcançá-lo na porta branca localizada no lado oposto da sala, uma mulher surge e chama por seu nome. O homem retrai o seu braço e quase que automaticamente se levanta dividindo o seu olhar para o livro e para a impaciente mulher que o aguardava agarrada ao batente da porta.

O livro ainda adormecido continuou em sua posição, aguardaria por uma nova oportunidade, necessitava ser lido, devorado, mastigado pela alma de alguém.

O tempo passou, sem ele saber mensurá-lo. A porta voltou a se abrir. O homem saiu de lá e foi acompanhado pela mulher até a porta de saída. Antes que se fosse, deixou um último olhar ao livro que o observava da mesa de centro.

Os dias foram passando. O livro havia mudado algumas vezes de posição. Outras mãos o tocaram e o folhearam. Ninguém de fato o leu. Havia uma nítida predileção pelas revistas. O livro, no entanto, apesar de se sentir usado e manipulado, não mais se importava. Sua lembrança estava naquele homem que um dia o enamorou. Haveriam de ter uma nova oportunidade? Pensava ele em suas entrelinhas. Só o tempo diria.

Certo dia, enquanto ele descansava do que continha, foi pego com brutalidade. A mulher que abria e abduzia aqueles que no sofá se sentavam, o havia tirado de sua longa morada, a mesa de centro da sala de espera. Ela o inseriu em pé em meio a outros tristes volumes que ali já estavam, e assim ele passou os seus dias, observando pela fresta da lombada aqueles que vinham e iam.

Seus dias eram menos calorosos. Os afagos não mais existiam. Era apenas uma fenda disposta no emaranhado de palavras não lidas que preenchiam aquela estante. Quando a esperança se esvaía foi surpreendido pela entrada daquele homem que a tempos o conquistara.

O homem curioso sentou-se no mesmo local que havia estado na última vez. Olhou para a mesa de centro, depois se inclinou para olhar no suporte que havia na parte de baixo, virou-se e buscou por algo no revisteiro que estava na lateral do sofá. O livro sabia que ele procurava por ele. Tentou falar, mas suas palavras não foram feitas para por ele serem vocalizadas. O silêncio consumiu aquele período em que ele podia vê-lo, mas não podia alertá-lo.

O livro entristeceu junto ao também entretecimento do semblante do homem curioso. Estavam ali, próximos, mas também distantes. O livro leu aquele corpo curvado como nunca havia lido nenhum outro. Encantou-se com suas histórias registradas no brilho que escapava de seu olhar lúgubre. Quis naquele momento ter nascido um disco para poder tocar suas palavras para ele, e assim, quem sabe, o fazer dançar.

Momentos mais tarde a porta branca se abre. A mulher se agarra ao batente e vocaliza o nome do homem curioso. Ele se levanta e a segue para dentro daquela sala pouco conhecida. Lá permanece por longos momentos. Até sair e sumir porta afora para nunca mais voltar.

Os dias se passaram. Para o livro não mais importava quantos.

Um dia se viu jogado numa caixa.

Levado no escuro.

Moído.

Reciclado.

Enfim, calado.

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