
Estava ali sentado. Não havia aonde ir, tampouco para onde voltar. Estava só sob o sol escaldante daquela tarde de um inverno atípico. Melhor assim, pensava ele. O frio queima mais do que o sol. Comeu pela manhã graças ao senhor bom Deus, refletia ele frente ao vazio que se agigantava a sua frente. Era um homem de fé. A amargura de certo o transformara em um homem crente, era o que restava a ele frente a um inevitável fim. Ele não sabia se faria uma refeição novamente, os dias eram incertos por aquelas paragens. De certa forma acostumou-se com a fome, seu corpo carcomido trazia dores maiores. Ele não se recordava como havia caído em tal tragédia, sua mente já não funcionava como outrora. Lembrava-se de ter sido uma criança ativa e de muitos modos feliz. Agora devia ter pouco mais de quarenta anos, no entanto, a sua imagem refletia pelo menos vinte anos a mais. Há muito não comemorava o seu aniversário, os dias se sucediam na sobrevivência imposta por sua condição. No passado fora um homem bem-sucedido. Trabalhava com afinco. Vivia com a família. Tinha amigos. Tinha planos. Mas tudo isso havia se diluído muito rapidamente. Ele passa uma mão sobre a outra. A aspereza as fazia se assemelhar a cascos. Se tornara um pouco animal, isto é certo. Mas qual seria? Observava ao longe o horizonte turvo a procura de alguém. Já havia desistido de pedir socorro, de nada adiantava. Clamava pela morte, mas mesmo esta não lhe acolhia. Pagava em vida por algum pecado cometido algum dia. Não sabia qual, mas tinha a certeza de que ele existia. Seu silêncio gritava sem que houvesse ouvidos para o acolher. Sentia-se invisibilizado. Uma pedra grande demais para ser chutada, mas alvo fácil para uma cusparada. O homem possuía histórias que nunca seriam contadas, um passado que já fora apagado, um futuro incerto em preto e branco sem o encanto de outrora. A fusão entre a barba e o cabelo deixava pouco espaço para a fuga de sua face. Seus olhos brilhavam no fundo, de suas cavidades oculares em um lusco-fusco da alma. O homem ajeita seus poucos pertences. Procura por algo que não iria encontrar. As pernas estavam dormentes. Uma ferida aberta em seu tornozelo deixava-o ver o seu interior. Um dia fora empresário. Tinha aquilo que o dinheiro comprava. O dinheiro tinha o seu cheiro, e ele, o dele. Agora de que importava tal vivência, se o seu passado não trazia perspectivas para o seu futuro. Fora apelidado de o náufrago, pois passava a maior parte do dia sob a sombra de um coqueiro a muito presente naquela praça. Para os que por ali transitavam ele era apenas um algo a ser evitado. Um lixo a ser recolhido. O desejo esquecido por alguém. Nunca lhe perguntaram o seu nome. Já não o tinha. Ninguém sabia de sua jornada. Não há interesse em heróis fracassados. Poucos o viram sorrir. Pois enquanto era alguém, guardava na sisudez o respeito por ele exigido. Atualmente por vezes sorri, mas agora é apenas algo jogado no mundo. Um náufrago deixado a própria sorte pelas ondas impiedosas as quais chamam de sociedade. Com sorte um dia seria comido pelos urubus, mas enquanto isso não ocorria, lamentava o tempo em que se deixou carcomer pelo ego e pela certeza. Pelos abutres travestidos de amigos, por vezes família. O que era esperteza hoje acena para a ingenuidade. O que foi poder hoje é súplica. O que já foi dúvida, o amanhã, agora é a fria certeza.
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