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Foto do escritorAnderson Luis da SIlva

Obsessão

Atualizado: 13 de ago.



Ele se observava no reflexo do espelho. Já havia passado água pelo rosto. O calor lhe consumia o corpo. Aquela imagem não lhe saia da cabeça. Olha para o lado esquerdo e visualiza um recipiente onde descansavam duas escovas dentais. Qual seria? A vermelha ou a branca? Pensava ele com o rosto ruborizado onde um fio de suor escorria desgovernado. Leva a mão direita até o recipiente e o aproxima de si. Passa os dedos lentamente por sobre as cerdas. Haveria de ser a mais macia tal qual a sua pele. Imaginava. Ambas, no entanto, apresentavam a mesma textura. Qual seria? Lamenta em profunda reflexão a dúvida ali estabelecida. Devia aproveitar as oportunidades por menores que fossem. Apanha a escova vermelha e aproxima as cerdas de seu nariz. Inala profundamente. O cheiro trazia uma discreta fragrância de um creme dental um pouco frutado. Ou seria apenas um cheiro de boca tal qual o hálito que havia imaginado. Repete o mesmo movimento trazendo agora a escova branca. O mesmo odor desce-lhe pela traqueia inflando os seus pulmões. Não poderia errar. Essa era a sua oportunidade. Devolve lentamente os dois objetos ao local de origem. Um copo adornado de vidro leitoso disposto por sobre a bancada de granito bem lustrada. Afasta-se. Senta-se sobre a tampa fechada do vazo sanitário. Apoia os cotovelos sobre as suas pernas e deita a sua cabeça por sobre as mãos espalmadas. Percorre o pequeno ambiente com o olhar atento a procura de outros elementos. Nada mais havia. Nas gavetas já vasculhadas apenas produtos de higiene e limpeza. O cesto de roupas estava vazio. Não havia toalhas dependuradas. Apenas ele e o vazio do enigmático compartimento. Sobre a pia as duas escovas o encaravam por cima da borda do copo. Ele não conseguia lembrar quando havia começado. Aquilo tinha se instalado em sua alma o deixando alucinado. Seria doente ou apaixonado? Não sabia o que fazer. Os minutos passavam em velocidade e ele não poderia retardar mais o seu retorno à sala-de-estar. Todos estavam a lhe esperar. Logo viriam ver se algo havia acontecido. Se ele estava bem. Se precisava de ajuda. Decerto precisava. Qual seria? Levanta-se novamente e dirige-se lentamente ao recipiente onde estavam as escovas. Apanha a primeira. Olha-se no espelho. Insere as cerdas levemente úmidas em sua boca. Passeia por entre os fios com sua língua quente e sedenta. Ali haveriam de estar partículas daquela boca que tanto ansiava. Um pouco da saliva ali esquecida. Ele não consegue mensurar a eternidade vivida nos poucos minutos que ali ficou em seu beijo solo com a escova dental. Retorna a sala. As pessoas brincam com a sua demora. Ele desconversa. Olha para ela que estava sentada na poltrona em frente a ele. Têm a certeza de a ter beijado profundamente. No braço da mesma poltrona estava o seu jovem marido o qual também beijara no claustro privativo do sanitário. Era o preço a se pagar pelo prazer vivido. A dúvida não iria privá-lo da boca almejada. Doentio diriam. Indescritível ele sentia. Seguiria um anônimo obsessivo. Um dia, quem sabe, poderia se abraçar a toalha recém utilizada. Esfregar pelo corpo o sabonete que anteriormente havia o corpo dela percorrido. Se apropriar das roupas usadas no dia e depositadas no cesto. Havia vencido. Haveria de vencer novamente. Mas tudo desmoronou quando em meio a conversa a musa de seus sonhos mais devassos falou enquanto brincava com seus dois vira-latas.


- Olha gente! Que sorrisos lindos! A mamãe escova estes dentes todos os dias. Cada um tem a sua própria escova. O Nelson uma branca e o Rodrigues uma vermelhinha.

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